FURTIVA GOTA
(Memorais de Sofia(Zocha))
Era ainda escuro e aquelas palavras tremeluziam sob o seu olhar, rodopiavam inscritas pelo fogo no círculo do tempo daquele casulo.
Pupila sentada no banco da roda gigante rodava com elas... rodava...rodava, ora as coisas diminuíam,...ora as coisas cresciam...ora ficavam próximas, ora ficavam longínquas, o mundo aumentava, o mundo diminuia....
Mas, daquela roda que girava ela vira sair ´presentes de natais . Aquele galinho de madeira com rodinhas para a irmã menor, o gatinho azul de rodas para a outra irmã, o anel verde de jade, mas sempre o presente maior e mais doloroso era quando a roda afiava a presença de um grande silêncio entre as salas vazias daquele casarão da praça de Araruna...entre as cercas de ripas do bangalô da rua Alagoas, sob as muralhas da Goiás...sob o verso das flores das pereiras que desobedientes cresciam o tempo do azul além dos muros...
Uma presença mortífera plena de imensidão então se espalhava por aquela casa faminta como uma loba no deserto a sentir fome do próprio cheiro e sua mãe chorava.. Mas, ñão esqueça menina que um sonhador habita em todos os lugares diz Bachelard e assim estes a miram ,,, todo cálice é ninho num quintal de araucárias onde caem as grimpas sob o verbo do chão frio...
. Aquele quarto era imenso, a mãe havia mandado retirar as paredes do aposento contíguo e assim o ambiente ficara mais claro e amplo porque as janelas eram pequeninas, as taboas escuras da casa sem pintura, os vidros fosqueados das janelas com venezianas escureciam o seu interior, escondiam suas intimidades, as almas das sombras perambulavam através das paredes e todos sofriam com o movimento insólito das coisas...
Pupila acabara de aprender a ler e agora já poderia saber o que se ocultava naquele manuscrito :- Desenrolou o pergaminho bem devagar... soletrava cada minúscula letra... o nome que constava ali era o de seu pai, ela sorriu... mas, não havia ali o nome de sua mãe...era outro nome que lia e relia, era outro o nome da mulher de seu pai!!!
Um susto abafou os vapores do silêncio, a roda gigante disparou a casa aos seus ouvidos, rodava agora o tempo nu gargalhando, caía o lampião ferido ao chão, incendiava-se aquela cidade do tempo...
Queimava a rua do Novo Hotel, do Hotel do Comércio, do cinema e dos filmes de Amélia, da casa de comércio amarela da esquina, da praça com seu buraco de lixo ao centro, dos cedros encobrindo a igreja católica, da beata Teresa de vestido comprido fazendo xixi agachada no escuro, atrás da Igreja, de Marocas vindo do posto de gasolina, com o saco de latas de óleo para plantar begônias, de Floripa visage caindo no buraco da praça,
... incendiavam-se as grimpas dos versos, a pequena borboleta queimava as asas, gritava a alma transpassada, das cinzas os lúmenes...
Furtiva gota do lago da alma derretia, reluzia!
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Lilian Reinhardt
Enviado por Lilian Reinhardt em 09/06/2010
Alterado em 01/07/2010